Popularmente conhecida como “bambeira”, a mieloencefalite protozoária equina é uma enfermidade neurológica, que acomete o sistema nervoso central dos equinos, causando inflamação e danos ao cérebro e/ou medula espinhal.
Causada por protozoário, os mais comuns são: Sarcocystis neurona, Neospora caninum e Neospora huguesi. No Brasil a enfermidade está pouco associada a infecção por Neospora huguesi, sendo o Sarcocystis neurona o principal agente causador da EPM no país.
Fisiopatogenia da EPM
Essa patologia tem como hospedeiro definitivo do S. neurona o Didelphis virginiana e Didelphis albiventris, espécies de gambás naturais da América do Norte e da América do Sul, respectivamente. Já como hospedeiros intermediários temos diversas espécies como tatu, gato doméstico e guaxinim.
O equino entra, nessa patologia, como hospedeiro aberrante/acidental (não pode transmitir a doença para outros cavalos).
No epitélio intestinal, do hospedeiro definitivo (gambá), o protozoário desenvolve-se para os estágios sexuados o que resulta na produção de esporocistos contendo esporozoítos.
Os esporocistos são eliminados nas fezes do animal, onde são infecciosos para os hospedeiros intermediários. Nesses há a formação de sarcocistos latentes no músculo que serão a fonte de infecção para o hospedeiro definitivo, fechando o ciclo.
Equinos – Hospedeiros Acidentais
Os equinos são contaminados ao ingerirem água ou alimento contendo fezes de gambá com os esporocistos. Esses chegarão ao trato intestinal desse animal, onde se rompem e liberam esporozoítos infectantes, os quais penetraram na mucosa intestinal, sendo disseminados pelo sistema vascular.
Os esporozoítos transformam-se em esquizontes os quais produzem numerosos merozoítos, esses têm a capacidade de atravessar a barreira hematoencefálica, atingindo o sistema nervoso central dos equinos, provocando nesse momento as alterações neurológicas.
Os equinos são considerados hospedeiros aberrantes terminais, pois não foram encontrados sarcocistos de S. neurona em sua musculatura e por ser excluída a possibilidade de transmissão desse parasita, para o hospedeiro definitivo, por meio da ingestão da musculatura do equino.
A manifestação da doença clínica, nos equinos, ainda não está bem definida, mas acredita-se que está correlacionado a uma imunossupressão induzida por estresse nesses animais.
Sinais Clínicos
A EPM é frequentemente associada a uma doença debilitante progressiva que afeta o SNC dos equinos. Seus sinais clínicos variam de agudos a crônicos com início insidioso de sintomas focais ou multifocais que envolvem cérebro, tronco cerebral ou medula espinhal.
Os animais que apresentam incoordenação motora, marcha assimétrica e atrofia muscular focal, devem ter a EPM como um dos principais diagnósticos diferenciais do médico veterinário.
Quando há a substância cinzenta afetada teremos sinais como uma atrofia muscular focal e uma fraqueza muscular grave. Já quando há o acometimento da substância branca, frequentemente observaremos ataxia e fraqueza nos membros, caudal ao local afetado.
Podemos observar inicialmente tropeços e uma dificuldade de locomoção que podem, em um primeiro momento, ser confundidos com uma claudicação. Geralmente há uma progressão gradual da doença e os cavalos começam a apresentar uma ataxia, porém em outros haverá uma exacerbação súbita na doença levando esse animal ao decúbito.
Outros Sinais Clínicos da Mieloencefalite Protozoária Equina
Os sinais vitais desses animais geralmente estão normais. Alguns podem estar magros e levemente deprimidos e no exame neurológico frequentemente encontraremos uma ataxia assimétrica, fraqueza e espasticidade envolvendo os quatro membros. Além disso podemos observar áreas com hiporreflexia, hipoalgesia ou até perda sensorial completa.
Os sinais comumente encontrados quando há o acometimento de cérebro e tronco cerebral incluem:
- Depressão;
- Inclinação da cabeça;
- Paralisia do nervo facial;
- Ataxia vestibular;
- Atrofia do masseter, atrofia e/ou paralisia da língua;
- Andar em círculos;
- Dificuldade de deglutição;
- Pressionar a cabeça contra obstáculo;
- Decúbito agudo;
- Convulsões.
Já as anormalidades de marcha estão relacionadas as lesões em medula espinhal, podendo ter sua gravidade variável dependo da localização do dano e de sua extensão.
Diagnóstico
Para esses animais recomenda-se um exame neurológico completo e criterioso de forma a buscar sinais consistentes com EPM. Após toda a realização da anamnese, exame clínico e exame neurológico, deve ser realizado os exames laboratoriais, lembrando que esses devem ser considerados auxiliares e não substitutivos de um exame clínico aprofundado.
O imunodiagnóstico com soro e líquido cefalorraquidiano (LCR) visa buscar a confirmação da produção de anticorpos contra o agente. Contudo os resultados da análise do LCR podem ser afetados por contaminação sanguínea ou pela difusão natural de anticorpos do sangue para o LCR.
Durante a análise do LCR pode ser útil a avaliação do quociente de albumina (QA), onde a proporção da albumina pode ser útil para avaliar uma amostra qualitativa de LCR, onde sua presença indica que há um escape da proteína da circulação geral.
Existem parâmetros normais do QA encontrados no LCR de cavalos, dessa forma, se a concentração total de albumina no LCR e/ou o QA estão elevados, é sinal de aumento da permeabilidade da barreira hematoencefálica ou que existe uma contaminação sanguínea acidental da amostra.
Outros métodos de diagnóstico
O Western Blot (Immunoblot) é um teste capaz de detectar a presença de anticorpos específicos para S. neurona no soro ou no LCR. Esse teste possui uma alta especificidade e sensibilidade, não apresentando reação cruzada com outros tipos de protozoário.
A técnica de reação em cadeia da polimerase (PCR) é específica para o DNA do parasita, confirmando a presença de S. neurona no SNC, porém a sensibilidade desse teste é baixa. Temos ainda o método de imunoistoquímica, este é capaz de distinguir o S. neurona de outros parasitas.
Dentro os diagnósticos diferenciais principais para essa enfermidade devemos considerar a mielopatia estenótica vertebral cervical, mieloencefalopatia degenerativa equina, mieloencefalopatia com neurite/vasculite causada pelo Herpesvírus equino do tipo 1 e trauma, entre outras que acometem o cérebro, tronco cerebral e medula espinhal em equinos.
Tratamento
O tratamento instituído pode basear-se no uso de inibidores da diidrofolato redutase, de forma que o tratamento seja realizado enquanto o LCR for positivo e/ou houver a presença dos sinais clínicos. Algumas complicações estão relacionadas a essa base de tratamento, que são: diarreia, anemia e/ou leucopenia.
Aliado a esse tratamento pode-se utilizar anti-inflamatórios não esteroidais para auxiliar no tratamento de cavalos moderadamente ou gravemente acometidos durante os três a sete primeiros dias de tratamento.
Nos casos em que há rápida progressão da sintomatologia clínica da doença, pode ser utilizada a terapia com corticoesteróides, com o intuito de ajudar a reduzir os efeitos da inflamação. Essa geralmente é utilizada por não mais que três dias.
Tornou-se comum o uso de fármacos para complementar o tratamento como é o caso da vitamina E como antioxidante, durante todo o período de tratamento. Pode ser utilizado ainda a tiamina (vitamina B1) e o ácido fólico (vitamina B9), sendo esse último associado a dois problemas. Primeiro que o ácido fólico é pobremente absorvido no trato intestinal e segundo que a conversão do folato para a forma ativa de tetrahidrofolato requer dihidrofolato redutase, que é inibida pelas drogas administradas durante o tratamento.
Além das terapias farmacológicas, tem se mostrado benéfico a instituição do tratamento fisioterapêutico e da acupuntura, de forma a melhor restabelecer os animais acometidos por tal enfermidade, resultando na diminuição do grau de incoordenação desses animais, na recuperação da propriocepção, da função motora normal e no desenvolvimento de músculos atrofiados.
Prevenção da Mieloencefalite Protozoária Equina
Ainda não há vacinas disponíveis contra a enfermidade no Brasil. Dessa forma é importante prevenir a ocorrência da doença, por meio de:
- Higienização dos depósitos de ração e correto armazenamento da mesma;
- Higienização de bebedouros e cochos;
- Evitar o acesso de gambas as cocheiras e estábulos.
LEMBRE-SE
Este artigo tem apenas caráter informativo. SEMPRE procure por um profissional!
Aproveitando os estudos, confira o nosso artigo sobre Dor em Equinos – Fisiopatologia e Escalas da Dor
Médica Veterinária incrivelmente apaixonada pela profissão e com um amor indomável pelos cavalos. Atuo na clínica e cirurgia de equinos, porém meu coração é da cirurgia.
Quando não estou trabalhando, estou estudando e me aprimorando para melhor atendê-los, eles merecem o melhor de mim.
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