A domesticação e confinamento dos cavalos modificou seus padrões e hábitos alimentares, alterando a conformação da arcada dentária, com o desenvolvimento de uma série de afecções odontológicas, mudando completamente o campo de odontologia equina.
Problemas dentários podem causar emagrecimento e queda de desempenho, além de prejudicar a digestibilidade do animal.
Portanto, a realização da Odontologia Preventiva por um Médico Veterinário se torna muito importante para e bem-estar do cavalo, mantendo a saúde bucal e níveis de nutrição adequados.
No decorrer deste artigo iremos aprender mais profundamente sobre a dentição dos equinos e as principais afecções relacionadas a ela.
Entendendo a Origem do Cavalo
Para estabelecermos uma boa relação com cavalos precisamos entender seu comportamento natural, e para isso, precisamos de um pouco de história. O cavalo, da forma como o conhecemos hoje, surgiu há 40.000 anos e sua domesticação ocorreu há 6.000 anos atrás.
Na natureza, os rebanhos caminhavam por longos períodos e ocupavam maior parte dos seus dias alimentando-se das pastagens.
Dessa forma, os cavalos são naturalmente adaptados a comerem pouca quantidade de alimento, várias vezes ao dia. Com a domesticação, isso basicamente virou do avesso!
Atualmente, os equinos passam a maior parte do tempo estabulados, comendo maiores quantidades de alimentos concentrados (rações) em poucas vezes ao dia, alterando totalmente seus hábitos e movimentos mastigatórios.
Para que esses animais permaneçam saudáveis e em níveis de bem-estar adequados, é necessário que sua alimentação seja balanceada, inserindo alimento volumoso na dieta.
Além disso, é necessário permitir acesso a piquetes, para pastejo, socialização com outros cavalos e desgaste dentário correto.
Erupção e Constituição Dentária
A domesticação não provocou somente mudanças comportamentais e nutricionais, mas também alterou a própria adaptação da arcada dentária dos cavalos.
Para triturar o alimento, o cavalo utiliza o aparelho mastigatório, que é composto de:
- Dentes e gengiva
- Articulação temporomandibular
- Músculos mastigatórios
Os dentes podem ser divididos em:
- Incisivos (I)
- Caninos (C)
- Pré-molares (PM)
- Molares (M)
Nos equinos a fórmula da dentição permanente é: 2 (I 3/3, C 1/1 ou 0/0, PM 3/3 ou 4/4, M 3/3) = total 36 ou 44.
Opa! Mas peraí. Como eu interpreto isso?
Vamos conferir abaixo:
- Primeiramente, o número 2 no início da fórmula representa as duas arcadas (uma superior e uma inferior).
- As letras em maiúsculo representam o tipo de dente (incisivos (I), caninos (C), pré-molares (PM) e molares (M)).
- Os números são separados pelas barras, representando os lados direito e esquerdo de cada hemiarcada.
- Em especial, o dente canino pode ou não estar presente, sendo mais comum em machos do que fêmeas. Por isso, na fórmula está sendo considerado 1/1 ou 0/0.
- Quanto aos pré-molares, estes podem variar de 3/3 a 4/4, devido a presença ou não, do dente de lobo (que é considerado o 1° pré-molar).
Além da divisão de acordo com o tipo de dente, a dentição equina ainda possui a Classificação de Triadan, amplamente utilizada na Medicina Veterinária.
Basicamente, nesta nomenclatura as arcadas são divididas em quadrantes de 1 a 4, sendo:
- 1 – para o quadrante superior direito
- 2 – para o quadrante superior esquerdo
- 3 – para o quadrante inferior esquerdo
- 4 – para o quadrante inferior direito
Estrutura dos Dentes
A quantidade de dentes pode variar de acordo com a espécie, mas todos compartilham uma estrutura básica, que é composta por:
- Coroa do dente – parte externa do dente, que se projeta a partir da gengiva e é recoberta por esmalte;
- Colo do dente – localizado na linha da gengiva, imediatamente onde termina o esmalte;
- Raiz do dente – fica na parte interna da gengiva, se encaixando no alvéolo ósseo.
Quanto à constituição do dente, as camadas de esmalte mais duras e quebradiças posicionam-se próximas a dentina, que é menos rígida e mais maleável, proporcionando uma superfície mais áspera e uma ótima resistência aos alimentos abrasivos ingeridos.
A dentina possui coloração branco-amarelada e envolve a cavidade pulpar. No decorrer da vida do animal é produzida a dentina secundária, que preenche a cavidade pulpar. Em cavalos, esse preenchimento nos dentes incisivos forma a estrela dentária, usada para estimar a idade do animal.
Já o cemento, é um tecido calcificado muito semelhante aos ossos, uma das estruturas mais externas, sendo muito resistente a erosão causada por pressão.
Mas como o dente fica preso na arcada dentária? Ele se fixa na cavidade alveolar pelo ligamento periodontal, que contém fibras de colágeno conectadas ao cemento e ao osso, permitindo assim que o dente fique aderido.
Determinação da Idade pelos Dentes
Para determinar a idade de um cavalo pelos dentes, é preciso levar em conta os seguintes fatores:
- Ângulo dos dentes
- Marcas e estrelas nos incisivos
- Sulco de Galvane
- Cauda de andorinha
Ângulo dos Dentes na Odontologia Equina
Quando o cavalo é mais jovem, sua dentição se encontra em linha vertical e só começa a se inclinar após os 5 anos de idade, se tornando bem mais angulada quando o cavalo ultrapassa os 20 anos.
Marcas e Estrelas nos Incisivos
Inicialmente a face oclusal dos incisivos é oval.
Ao longo dos anos ela vai desgastando e se torna arredondada, depois triangular e finalmente oval longitudinal.
Para percebermos essas alterações, precisamos observar a estrela, que é a superífice marrom-amarelada que surge na face oclusal (imagem abaixo do texto).
- Oval: 6-12 anos
- Arredondada: 12-17 anos
- Triangular: 18-24 anos
- Oval longitudinal: 24-30 anos
Sulco de Galvane
Sua característica é uma depressão sobre o dente, sendo que o cemento pode ou não apresentar uma coloração escura.
O sulco surge a partir da margem da gengiva e aparece entre 9 a 10 anos de idade, atingindo comprimento total aos 20 anos.
Cauda de Andorinha
Também chamada de gancho, aparece aos 7 anos de idade e desaparece aos 9, podendo reaparecer aos 11 anos e desaparecer aos 13.
Principais Enfermidades da Arcada Dentária
O surgimento de doenças dentárias nos equinos se deve a alterações no seu hábito alimentar e na dieta, sendo que as rações concentradas diminuem o tempo de mastigação e provocam movimentos mastigatórios mais verticais, predispondo ao desgaste dentário por má oclusão.
A oclusão das arcadas deve ocorrer de maneira correta para que a mastigação possa ser feita adequadamente. Dessa maneira, podemos dividir as enfermidades da arcada dentária pelo tipo de dente que apresenta má oclusão:
Má oclusão de pré-molares e molares
- Pontas de esmalte
- Ganchos
- Rampas
- Ondas
- Degraus
Má oclusão dos incisivos
Se dá por meio das curvaturas:
- Ventral
- Dorsal
- Diagonal
Anormalidades Congênitas na Odontologia Equina
Além das alterações adquiridas pela mudança de hábitos, também há casos de anormalidades congênitas.
Em equinos, as patologias mais observadas são:
- Bragnatismo: mandíbula e maxilar desalinhados, com sobreposição dos incisivos superiores aos inferiores.
- Prognatismo: o contrário do bragnatismo , ou seja, o maxilar é menor que a mandíbula.
Dente de Lobo
Outro fator importante a ser considerado é a presença do dente de lobo (1 ° pré-molar), pois ele interfere diretamente na ação da embocadura, sendo preconizada a extração para evitar traumas bucais durante o trabalho em cavalos de montaria.
Por que devemos fazer a Odontologia Preventiva?
A área de odontologia equina vem ganhando cada vez mais espaço dentro do mundo do cavalo, proporcionando inúmeros benefícios.
É indicado o acompanhamento odontológico desde o nascimento do animal.
A falta de um tratamento odontológico preventivo pode levar ao desenvolvimento de:
- Falhas na oclusão dentária;
- Distúrbios digestórios;
- Rejeição de embocaduras;
- Perdas e fraturas dentárias;
- Crescimento dentário excessivo;
- Lesões em língua, gengiva e bochechas.
É fato que o desgaste incorreto dos dentes influencia negativamente na cavidade oral e no trato digestório do cavalo.
Já a realização da odontologia preventiva, influencia positivamente na saúde do cavalo e seus principais benefícios são:
- Melhora na apreensão e deglutição;
- Melhor trituração dos alimentos;
- Melhora na digestibilidade;
- Melhor aproveitamento da forragem como fonte energética;
- Nível de bem-estar elevado;
- Melhora do desempenho atlético;
- Reduz a devolução do alimento no cocho;
É recomendada a realização da avaliação odontológica ao menos 2 vezes ao ano, dependendo de fatores como: ambiente, manejo, nutrição e histórico de doenças dentárias prévias, que podem aumentar ou diminuir o intervalo entre tratamentos.
Composição da Avaliação Odontológica
Uma avaliação odontológica é composta por:
- Anamnese completa e avaliação do histórico do cavalo;
- Exame físico geral dos parâmetros;
- Inspeção externa da cabeça e cavidade oral;
- Inspeção interna da cavidade oral;
- Desgaste dentário nos locais necessários para oclusão correta das arcadas
Lembrando que para realização de todos os procedimentos na odontologia equina, desde o exame físico, o cavalo deve estar com cabresto e posteriormente pode ser necessária uma intervenção medicamentosa sedativa para prosseguir no tratamento, dependendo de cada caso.
1 – Anamnese e Histórico
Coleta de dados referentes ao animal:
- Nome
- Idade
- Raça
- Sexo
- Peso
- Modalidade esportiva praticada
Coleta de dados referentes ao proprietário:
- Nome
- Localização da propriedade
- Contato
Verificação de queixas como:
- Devolução do alimento no cocho;
- Perda de peso progressiva;
- Salivação em excesso;
- Rejeição do alimento;
- Balançar de cabeça durante a mastigação;
- Edemas de face;
- Rejeição da embocadura;
- Traumas em face;
- Alterações comportamentais.
2 – Exame Físico Geral na Odontologia Equina
Verificação dos parâmetros de:
- Frequência cardíaca
- Frequência respiratória
- Tempo de Preenchimento Capilar (TPC)
- Coloração e umidade de mucosas
- Turgor cutâneo
- Temperatura retal
- Motilidade intestinal
- Pulso
3 – Inspeção Externa da Cavidade Oral
Verificação:
- Movimentos mastigatórios do animal
- Palpação na região das bochechas
- Percussão dos seios nasais
- Simetria facial
- Presença de lesões, edemas ou abscessos ?
- Salivação excessiva ?
4 – Inspeção Interna da Cavidade Oral
Verificação:
- Oclusão das arcadas
- Coloração dos dentes e gengiva
- Tamanho dos dentes
- Integridade de língua, gengiva e bochechas
- Odor exalado?
- Possui anormalidades congênitas?
- Presença de dentes com desgaste inadequado?
- Presença de caninos ou dente de lobo?
- Fraturas dentárias?
- Comprometimento de cavidade pulpar?
- Inflamação?
5 – Desgaste dentário nos locais necessários para oclusão correta das arcadas
Realização de:
- Desgaste de pontas de esmalte excessivas, ganchos, rampas;
- Correção de ondas e degraus;
- Correção da oclusão de incisivos;
- Remoção de cálculos dentários;
- Extração dentária quando necessário.
Principais ferramentas utilizadas na Odontologia Veterinária Equina
Entre as ferramentas utilizadas na odontologia equina, temos:
- Abre-bocas: mantém a boca do animal estável para a intervenção do Médico Veterinário, dando segurança para o animal e todos os envolvidos.
- Apoio ou cabeçada: usada para manter a cabeça do cavalo na posição adequada para o tratamento.
- Fotóforo: é a popular lanterna de cabeça, que fornece melhor iluminação da cavidade oral.
- Seringas ou pulverizadores: usadas para limpeza e retirada dos alimentos da boca, antes do exame odontológico.
- Grosas: permitem que seja feito o desgaste dos dentes nos locais necessários. Podem ser manuais (quando o dente é de difícil acesso) ou elétricas.
- Espelhos: auxiliam na visualização das superfícies dentárias.
- Alavancas e boticões: essenciais para extração dentária.
A partir das informações contidas no texto, podemos concluir que a realização da Odontologia Equina de maneira periódica impacta na saúde e bem-estar do cavalo, prevenindo o aparecimento de doenças dentárias indesejáveis e permitindo o tratamento precoce de diversas patologias.
LEMBRE-SE
Este artigo tem apenas caráter informativo. SEMPRE procure por um profissional!
Aproveitando os estudos, confira o nosso artigo sobre a Hemiplegia Laríngea
Graduanda em Medicina Veterinária, de alma e coração movidos pelos quatro cascos de um cavalo.
Instagram: @estudo.equino
Ótimo artigo, muito útil!!! Parabéns a Dra. Jessica e ao pessoal do equinovet pela excelente qualidade da publicação. Muito obrigado a todos.
Obrigada Diogenes!!!! Fico felize que tenha gostado!
E este software de vocês “EQUINOVET” é show. Nunca vi um melhor. Parabéns!
Gostei bastante do seu blog. Legal o conteudo. Parabéns
🙂
Muito obrigado Alex. Logo teremos mais conteúdos por aqui do mundo equino 🐴